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maio 2020

O Popular, o Erudito o de Massa na Cultura

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Já vimos que cultura é toda a forma de saberes e conhecimentos, transmitidos de geração em geração, assim como todos os bens, artefatos, valores, crenças, costumes e instrumentos que são produzidos pela humanidade. A cultura pode assumir a forma material e imaterial.

Mas para além disso, a cultura pode se apresentar em diferentes tipos. E esse se dividem em três categorias: o popular, o erudito e o de massa. Esse tipo de categorização da cultura está relacionado ao seu contexto de produção e reprodução, e quais são os grupos sociais que são seus principais produtores.

Por muito tempo essas categorizações foram usadas para hierarquizar as culturas populares e eruditas, tratando a cultura popular como inferior, de segunda categoria, por ser originada do povo. Isso acontece porque existe uma tendência preconceituosa em se confundir educação formal com cultura. Muita gente pensa que só porque alguém estudou mais, tem mais títulos, escuta música clássica por exemplo, tem mais cultura que pessoas que não tiveram o mesmo acesso a educação ou que escutam a música que toca na rádio. Isso não é verdade!

Todos temos cultura, independente de nossa origem, da cor da pele, do idioma ou da religião, cultura é algo essencialmente humano, e não existem cultura melhor ou pior, nem alguém mais aculturado ou menos aculturado. Acreditar nisso é engano, e preconceito.

Então diferenciar os tipos de cultura é uma forma de compreendermos seu contexto de produção, e os aspectos sociais, ideológicos, econômicos e políticos que permite eles serem reproduzidos no nosso cotidiano.

Na cultura popular, o contexto de produção é simples, não exige grande elaboração técnica ou científica, podendo ser produzida por classes mais baixas ou médias. Muitos bens culturais populares saíram das tradições indígenas, africanas, afro-brasileiras ou dos imigrantes. Por isso é comum observamos que a cultura popular tende ao resgate das raízes do povo, de sua história, de seus valores. Vemos isso nos trajes, danças, canções e festivais típicos que são mantidos pelas diferentes tradições. O folclore que mistura vários aspectos da nossa matriz étnica e da relação do indígena com a terra é um exemplo disso. Assim como o maracatu, o frevo, o samba e a capoeira também. A literatura de cordel é um outro exemplo. Brincadeiras como passa anel, pelada de rua, escravos de Jó, ou cantigas e cancioneiros que aprendemos quando crianças. A religiosidade também se encontra nesse campo da cultura popular.

Hoje o samba é reconhecido enquanto cultura tanto quanto a música clássica. Mas não foi sempre assim. O preconceito e o elitismo já fizeram que o samba, assim como o jazz nos EUA fossem relegados a uma sub categoria de cultura, à inferioridade. Nos últimos anos vimos o funk enfrentado esse estigma, por suas origens populares, ele ficou muitos anos marginalizado, e ainda é comum ouvirmos discussões sobre ele não ser um produto cultural ou não poder ser considerado música.

A cultura erudita se relaciona essencialmente aos elementos estéticos e artísticos da cultura produzidos e apreciados por uma elite intelectual, que diferencia determinadas produções textuais, teatrais, musicais ou plásticas como clássico ou erudito. Ela depende de maior investimento econômico, elaboração técnica e e científica, bem como de domínio para ser produzida. Esse tipo de cultura foi muito usada como critério de distinção de classe social, uma vez que seu acesso, por muito tempo, era restrito a grupos da nobreza ou burguesia. Esse tipo, restritivo, era produzido pela elite para a elite, justamente por ser visto, no passado, como uma forma superior e melhor de cultura. Música clássica – sua apreciação e domínio de seus instrumentos, o balé, o conhecimento vasto de literatura, frequentar museus e óperas, compreensão de técnica artística como desenho, pintura e escultura, o conhecimento de diferentes idiomas, por exemplo, podem ser considerados campos da cultura erudita.

Os conceitos de popular e o erudito são tomados como opostos. Tradicionalmente, esses termos são carregados de ideologias. Ao citar essas palavras em determinados contextos, já se revela a natureza do discurso. Trata-se de dois polos extremos de um pensamento dicotomizado, maniqueísta e tendencioso (…)

Peter Burke  cunhou o termo “biculturalidade”, para expressar o quanto os membros das elites conheciam e participavam da cultura popular, ao mesmo tempo em que preservam sua cultura.  Com esse pensamento Burke expressa que existem sujeitos sociais que trafegam por diversos modelos de cultura, sem se alienar de seus próprios valores culturais

Na cultura dita como erudita as práticas que pelo seu domínio podem ser encontradas nas academias científicas, bibliotecas, conservatórios musicais, dança clássica, etc., que selecionam o material e impõem regras rígidas e complexas elaborações. Os produtores da chamada cultura erudita fazem parte de uma elite cultural cujo conhecimento é proveniente do pensamento científico, dos livros, das pesquisas universitárias ou do estudo em geral (erudito significa que tem instrução vasta e variada adquirida sobretudo pela leitura). A arte erudita (a música clássica, a ópera, o balé, o teatro, as artes plásticas etc.) é produzida visando museus, críticos de arte, propostas revolucionárias ou grandes exposições, público e divulgação.

Roger Chartier e Peter Burke são pensadores que promovem uma intensa discussão sobre a validade dos termos cultura “popular” e “erudita”, na medida em que elas poderiam indicar uma perspectiva reducionista das dinâmicas formadoras da identidade cultural dos povos.

A cultura de massa vem se delineando desde o século XX, com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, como a televisão, o rádio, e hoje, com a internet. A mídia é a principal fonte de propagação e reprodução dessa cultura. E ela possui uma particularidade: é um tipo de cultura produzida para a indústria cultural. Ou seja, ela não traz em si nenhum traço de tradição, ou valor ou saberes. Também não importa qual o grau de técnica e conhecimento necessário para a sua produção. O que importa para a cultura de massa é que ela venda.

A cultura de massa consegue juntar aquilo que tem de mais rentável da cultura popular e erudita e transformar isso em mercadorias que serão vendidas pela indústria cultural. E essa, por sua vez, é uma forma de se fazer cultura esvaziada de valor, cujo objetivo é o lucro gerado ao capitalismo. Se a pelada de rua é uma cultura popular, as grandes partidas padrão FIFA, com todos os seus produtos vinculados, desde camisetas, colecionáveis, games, meias e cuecas são cultura de massa que são vendidos pela indústria cultural.

Se Leonardo da Vinci, em toda sua genialidade renascentista pintou Monalisa para ser uma obra de arte única, a cultura de massa conseguiu reproduzir milhares e milhares de “monalisas”, em todas as formas, cores e estilos. Não importa a qualidade, nem os valores ou a tradição, apenas que venda e gere lucro.

Temos então três tipos de cultura, e cada uma com seu contexto particular de produção. Em nosso cotidiano nos deparamos com elas a todo o momento, algumas com mais frequência que outras, e que no final não existe cultura superior ou inferior, apenas formas diferentes de se produzir e reproduzir cultura.

mestre sala e porta bandeiras
Samba: traço típico da identidade cultural brasileira

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