Pensamento Social Brasileiro: A Sociologia Política de Florestan Fernandes
Por Jeniffer Modenuti
Florestan Fernandes nasceu em São
Paulo, no dia 22 de julho de 1920. Criado pela mãe lavadeira foi obrigado a
trabalhar desde os 6 anos de idade. Ingressou na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em 1947, formando-se em ciências
sociais. Doutorou-se em 1951 e foi assistente catedrático, livre docente e
professor titular na cadeira de sociologia, da USP.
O nome de Florestan Fernandes está
obrigatoriamente associado à pesquisa sociológica brasileira. Sociólogo e
professor universitário com mais de cinquenta obras publicadas, transformou as
ciências sociais no Brasil e estabeleceu um novo estilo de pensamento.
Foi mestre de
sociólogos renomados, como Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Cassado
com base no AI-5, em 1969, deixou o país e lecionou nas universidades de
Columbia (EUA), Toronto (Canadá) e Yale (EUA). Retornou ao Brasil em 1972 e
passou a lecionar na PUC-SP. Não procurou reintegra-se à USP, da qual recebeu o
título de professor emérito em dezembro de 1985.
Florestan esteve ligado ao Partido dos
Trabalhadores (PT) desde sua fundação. Em 1986 filiou-se ao partido e exerceu
dois mandatos de deputado federal (1987-1991 e 1991-1995). Florestan Fernandes
morreu em São Paulo no dia 10 de agosto de 1995.
Para saber mais: Fundação Florestan Fernandes http://florestan.org.br/; http://almanaque.folha.uol.com.br/florestan.htm;
http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/florestan-fernandes-307905.shtml.
No pensamento social de Florestan
Fernandes podemos destacar alguns eixos principais, como suas preocupações com
a educação na defesa de escola pública e do ensino de sociologia, assim como a
relação entre questões raciais e classes sociais e também sociedade patriarcal.
No campo da política ele debate sobre democracia, regime militar, transição da
ditadura para a redemocratização, revolução burguesa no Brasil, revoluções na
América Latina e o papel do intelectual. Grande destaque fica a encargo da sua
contribuição para a Sociologia econômica, ao aprofundar as teorias do
subdesenvolvimento e desenvolvimento, e fundamentalmente do capitalismo
dependente.
Florestan destacava um processo
cumulativo de construção de um pensamento social brasileiro, e este processo
abrange os pensadores anteriores à década de 1930, incluso pensadores
estrangeiros que vieram ao Brasil.
Um dado essencial do pensamento de
Florestan Fernandes é que ele se propõe pensar a realidade brasileira a partir
da ótica da transformação social: quais são os processos de mudança e
transformação social que a sociedade brasileira passou e tem passado – quais
são os movimentos sociais, de constituição de processos críticos, de mudança
social que se formaram no Brasil.
Assim como Antônio Cândido,
Fernandes reflete a questão da ação do intelectual na sociedade. Para ele o
intelectual deve sair em defesa das liberdades humanas, sendo este um
compromisso com a democracia. Durante toda a sua vida Florestan defendeu a
democracia e o grande comprometimento dos intelectuais com esta. O intelectual
é também militante, deve agir para combater e evitar catástrofes como a
dominação política, exploração dos mais pobres e das minorias, lutar contra as
ditaduras: como o Estado Novo de Vargas e a Ditadura Militar da segunda metade
do século XX.
Florestan Fernandes e a Geração Perdida
O sociólogo militante Florestan
Fernandes, ao pensar a trajetória da Sociologia política no Brasil, faz no texto
de 1976 titulado “A geração perdida” um balanço, tanto de seu trabalho como
sociólogo como da geração de intelectuais da qual ele fizera parte, que ele
nomeia de “geração perdida”, perdida pois ele
observa nesta geração o fracasso em usar do saber intelectual para
aplicabilidade na transformação da sociedade, o que ocorre diante a intensa
repressão política que o Brasil sofre com a Ditadura Militar.
Este fragmento de geração da qual
Sérgio Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo, Antônio Cândido, dentre
outros fizeram parte, caracteriza-se como uma intelligentsia, ou seja, um grupo de intelectuais orgânicos, que
aliam a teoria com a prática, em outras palavras, um grupo de intelectuais
que não se dedicavam apenas à formação da Sociologia e a caracterização do
fazer ciência da sociedade, estes intelectuais também buscavam pela formação
militante, sendo constante a participação destes em movimentos sociais, como
a causa negra e operária.
Podemos então citar que a
característica marcante desta geração é a obsessão política, que voltava seu
olhar para os problemas da época e para os dilemas da sociedade brasileira.
É crucial observarmos o contexto
em que estes intelectuais viviam: período de formação da Sociologia no
Brasil, entre duas ditaduras e a presença de governos populistas, forte
presença do movimento negro e operário, lutas pela democratização do ensino,
além de outras lutas sociais diversas. Devemos lembrar que temos como
característica marcante desse período o desenvolvimentismo. Assim é possível
compreendermos que a atitude política dessa intelligentisia é fruto de uma realidade histórico, social,
política e cultural que estes intelectuais se viam imersos.
Coloca-se o desafio aos
intelectuais: produzir um conhecimento científico brasileiro que fosse
original e autônomo.
Essa intelligentsia estava articulada não apenas com a formação do
saber, mas também com as diversas polarizações econômicas, sócio-culturais e
políticas das relações e dos conflitos de classe: protesto operário,
movimento sindical, ideologia socialista, movimentos das minorias, negro,
etc.
Podemos extrair como reflexões
sobre este texto a maneira como que a questão política atravessa essas
discussões aqui descritas. Sendo assim podemos observar que a atitude política
em Florestan é vista pelo seu ponto de vista teórico e prático, onde ambos se
encontram entrelaçados e discorrem sobre os embates entre os diversos grupos
sociais e as classes. É preciso pensar no âmbito da Sociologia brasileira a
necessidade de mudança na maneira de fazer ciências humanas no Brasil, e
também se deve pensar a necessidade de transformação da sociedade.
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DEMOCRACIA ENQUANTO ORGANIZAÇÃO SOCIAL
A socióloga Patricia de Souza
observa no pensamento de Florestan Fernandes os elementos ciência, democracia,
modernidade e progresso social compreendidos como partes interdependentes do
padrão de civilização
inerente ao mundo
ocidental.
Tais elementos permitem
“compreender a amplitude e a centralidade
da questão da
democracia no pensamento de
Florestan Fernandes, pois
elas sugerem que a
democracia não significa
somente uma forma
de organização política, mas uma
forma de organização social. Como organização social, a democracia deveria
permear todas as esferas da vida em sociedade, não se tratando, portanto,
apenas de um processo de participação no poder (embora essa participação seja
primordial), de circulação de elites ou de criação de novas elites, mas de um
estilo de vida”.
Contudo, na sociedade brasileira,
nós convivemos com as fortes marcas do patriarcalismo, patrimonialismo e da
cordialidade que é conservadora e passiva diante a mudança política, logo a
democracia social só seria possível a partir da luta dos setores dominados em
busca de garantir seus direitos e promover a mudança política combatendo “a manipulação
exclusiva dos processos de
mudanças sociais pelas elites dirigentes”.
Em suas reflexões sobre o Brasil, Florestan observa a particularidade de nosso país
em manter uma classe burguesa capaz de controlar toda a sociedade, e que por
causa de fatores históricos como a escravidão tardia, a herança colonial e a
dependência em relação ao capital externo, a burguesia brasileira era mais
resistente às mudanças sociais do que as classes dominantes dos países desenvolvidos.
Dessa forma Florestan agrega às
suas discussões a crítica ao conservadorismo, que ganham mais destaque no
debate sobre a
questão racial no Brasil. Santos assim observa:
“O conservadorismo teria
feito emergir uma
sociedade de classes que
não consegue abrir-se
à participação igualitária de todos
os seus membros,
configurando-se pela carência
de democracia, tanto racial – por confinar o elemento “negro” nos
mais baixos escalões
da vida social,
em uma situação
crônica de desajustamento devido
aos critérios de
seleção animados pelo preconceito
de cor –,
quanto política –
pelo monopólio e, conseqüente, manipulação do poder pelas
elites dominantes – e social à medida
que a participação
igualitária na renda
e nos direitos previstos
pelo estatuto legal
não poderia se
estender a todos os setores da população, dada à impossibilidade desse
quadro se realizar em uma sociedade na qual a cor e a posição social eram
critérios de seleção, e na qual o exercício do poder permanecia como um
atributo dos “homens de prol””.
MITO DA DEMOCRACIA RACIAL
Ao contrário da perspectiva adotada por Gilberto Freyre a respeito
da harmonia entre as raças no Brasil, na qual brancos e negros vivem em iguais
oportunidades, sendo capazes de partilhar suas diferenças, o sociólogo
Florestan Fernandes aponta que em nossa sociedade brasileira o negro viveu um
processo de marginalização, sendo excluído do “projeto de Nação”, abandado
assim das políticas públicas e do processo econômico. Ao negro restou apenas as
margens da sociedade, sendo invisível quando pacífico ou um problema de
segurança e saúde pública quando parte em busca de seus direitos. Portanto, a
ideia de que o negro tem as mesmas condições e oportunidades do branco é uma
noção falha. O negro encontra-se excluído de direitos políticos, econômics,
morais e sociais – a Democracia Racial, até então defendida por muitos não
passa portanto, de um mito.
Para Florestan este mito serve
aos interesses dominantes em manterem sua posição social e justificarem o não
empenho com os direitos do negro na sociedade. Somente quando esta minoria
racial, que na realidade compunha grande parte da população, passou a adquirir
recursos materiais e muitos deles a adquirir posição de intelectuais, tomaram
forças os movimentos de combate à ideologia burguesa de Estado que marginaliza
e oprime o negro em nossa sociedade.
Este sociólogo, empenhado toda sua vida na luta pela combate às
desigualdades e opressões declara de maneira contundente que não existe
democracia racial em nosso país, e tal ideologia tem a função de mascarar a
realidade de racismo e manutenção da dominação política e econômica da pequena
elite brasileira.
A briga
política pela escola pública
(Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/florestan-fernandes-307905.shtml)
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Referências:
FERNANDES, F. A Integração do Negro na Sociedade de
Classes. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1978.
FERNANDES, F. A sociologia no Brasil. Petrópolis:
Vozes, 1986.
FERNANDES, F. A sociologia numa era de revolução
social. Rio de Janeiro: Zahar. 1976.
PERICÁS Luiz
Bernardo, e SECCO, Lincoln Ferreira (orgs.). Intérpretes do Brasil: Clássicos,
rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014.
SOUZA, Patrícia Olsen de. Florestan Fernandes e os
dilemas da democracia no Brasil. Perspectivas,
São Paulo, v.
31, p.85-96, jan./jun. 2007.
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